As coisas supérfluas
Clotilde Tavares | 23 de dezembro de 2011O post abaixo é um dos textos do meu livro Coração Parahybano que você pode baixar gratuitamente clicando aí ao lado, no topo da coluna da direita deste blog.
O Natal se aproxima e com ele todo o cortejo de rituais e tradições desta festa que já foi pagã, hoje é cristã e, do jeito que as coisas andam, talvez se torne pagã novamente, trocando as igrejas pelos shopping-centers e as divindades cristãs pelos ídolos da TV com os quais todo mundo quer se parecer. As tais catedrais do consumo estão repletas de pessoas em busca das “lembrancinhas” que, mesmo simples e baratinhas, tornam todo mundo tão feliz. Prudentemente, fiz todas as minhas compras até domingo passado e agora me divirto apenas em fazer os pacotes e pensar na mensagem que vou escrever para cada um.
Gosto de me lembrar dos presentes que ganhei ao longo dessas décadas de vida, e foram todo tipo de presente. Nunca consegui me esquecer de um pianinho de dez teclas, do dó ao mi, que ganhei de Papai quando tinha dez anos. Ficava horas, sentada no chão, tirando melodias no pequeno teclado e sentindo falta de alguns sons que somente depois descobri em um piano maior, escondidos nas teclas pretas que o meu pianinho não tinha.
Ganhei brinquedos e livros quando era criança, roupas e livros em mocinha, jóias, bijuterias, perfumes e livros depois de adulta. Até hoje, continuo ganhando livros, sempre acompanhados dos presentes que gosto mais: bijuterias, perfumes, écharpes, caixinhas de madeira e porcelana, leques, cadernetas…
E fora os livros, é claro, gosto muito mesmo dessas pequenas bobagens que muitas vezes não servem para nada e das quais já temos um bom número. Supérfluas, desnecessárias, por isso mesmo fazem a nossa festa e a nossa alegria, porque presente tem que ser algo extra, algo diferente, e presentear com aquilo que normalmente a gente tem que comprar no dia-a-dia é a coisa mais sem graça do mundo.
É como aquele garotinho de uns quatro anos que vi na loja e que, enquanto os pais escolhiam para ele uma roupinha, gritava em alto e bom som: “Mas eu não quero essa roupa normal! Eu quero um traje completo do Homem-Aranha!” Esse meninozinho, para mim, é o símbolo do Natal, neste ano de 2005. Sair do lugar comum, da roupinha linda e de griffe mas ao mesmo tempo chata e convencional, e ousar no traje diferente, cheio de atitude, na “roupa do Homem-Aranha”. Pensar diferente, sair da mesmice, fazer algo inusitado e, principalmente, desfrutar do supérfluo.
Como disse o imortal William Shakespeare, no “Rei Lear”, Ato II Cena 4: “Até os homens mais pobres precisam de coisas supérfluas”.
Feliz Natal.